ORGULHO LGBTQIAP+ SEMPRE FOI ‘LGBTQIAP+’?

A sigla LGBTQIAP+ é mundialmente conhecida, mas teve que passar por um processo de “evolução” até se tornar o que é hoje. O termo, que começou a ser utilizado apenas a partir da década de 1990, teve vários antecessores.

Antes dos anos 1960, quando aconteceu a revolução sexual – movimento que, em vários países do Ocidente, questionou e desafiou a visão tradicional sobre sexualidade e relacionamentos entre pessoas –, não havia um termo para se referir às pessoas que não eram heterossexuais. Tal revolução buscou, por meio de protestos, uma maior aceitação das relações não tradicionais – ou seja, as que não eram heterossexuais e/ou monogâmicas –, e também dar força para debates até então silenciados, como a questão dos métodos contraceptivos e do aborto. Após essa revolução, passou-se a utilizar constantemente o termo “homossexual”. Entretanto, essa definição, mesmo que cientificamente correta, carregava conotações negativas – como a ideia de homossexualidade ser uma “anomalia” em relação às pessoas “normais”, ou seja, heterossexuais. Foi apenas na década de 1970 que o termo “gay” passou a ser utilizado, principalmente pelos membros das próprias comunidades homossexuais.

Entretanto, tal palavra ainda não incluía as mulheres homossexuais, que desde o início da segunda onda feminista (1960-1980) se articulavam cada vez mais sobre a visibilidade lésbica e as reivindicações específicas desse grupo. Conforme essas mulheres foram fortalecendo seu movimento publicamente, o termo “gays e lésbicas” passou a ser o mais utilizado.

Já no Brasil da década de 1990, a principal sigla era “GLBT” – a qual incluía bissexuais, travestis e transexuais. Foi só no ano de 2008 que, na 1ª Conferência Nacional GLBT, realizada em Brasília, foi aprovada a alteração do termo para “LGBT”. A decisão de passar a letra “L” para frente visava dar uma maior visibilidade ao movimento lésbico, assim como se alinhar à sigla que já era utilizada por outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, já utilizavam “LGBT” desde 1988.Gays podem adotar no Brasil? Entenda!

MAIS VISIBILIDADE = MAIS ORGULHO

Apesar de LGBT ser a sigla amplamente aceita, ela ainda não inclui todas as comunidades menos conhecidas por aqueles/as de fora do movimento LGBT. Tais grupos incluem pessoas não-heterossexuais e/ou não-cisgêneras – lembrando que uma pessoa cisgênera é aquela que se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer. É por isso que muitas vezes nós nos deparamos com variações do termo, como “LGBTQ” ou “LGBT+”. Atualmente, a versão mais completa da sigla é LGBTQIAP+, na qual as letras significam:

L = Lésbicas – mulheres atraídas por outras mulheres.

G = Gays – homens atraídos por outros homens.

B = Bissexuais – pessoas atraídas tanto pelo mesmo gênero quanto pelo oposto. É o contrário dos chamados “monossexuais” – hetero e homossexuais –, que são atraídos exclusivamente por um dos gêneros.

T = Travestis, transexuais e transgêneros – esses três termos causam bastante confusão, então vamos explicá-los. O prefixo “trans” significa “além de”, o que define as pessoas que estão os além dos gêneros feminino e masculino tradicionais. Assim, “transgênero” é o chamado “guarda-chuva” que inclui todos aqueles que não se conformam com os padrões de gêneros criados pela sociedade.

Por sua vez, transexual seria uma pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer. A psicopatologia – ramo da psicologia que estuda comportamentos e personalidades que desviam do que é tido como “normal” pela sociedade – classifica essa não identificação como “disforia de gênero”. É o fato de não se identificar com o gênero que lhe é atribuído e nem com seus órgãos genitais que leva muitas pessoas transexuais a realizarem cirurgias de redesignação genital – popularmente conhecida como “mudança de sexo”.

Já o termo travesti é mais marginalizado e carrega consigo questões econômicas e sociais, o que é ressaltado pela cartunista Laerte quando afirma que “Crossdresser* é uma travesti de classe média”.  Travesti é, segundo o glossário de diversidade da Universidade Federal de Santa Catarina, “uma identidade histórico-política, construída sócio culturalmente, da pessoa que é designada como sendo do gênero masculino, transiciona do masculino ao feminino e vive 24 horas no gênero feminino”. Algumas tomam hormônios e realizam cirurgias plásticas, como a colocação de silicone, mas como geralmente não há desconforto com sua genitália, as travestis não costumam buscar a cirurgia de redesignação.

*Crossdresser significa, literalmente, “vestir-se ao contrário”. Esse é um termo utilizado para se referir a uma pessoa que, por qualquer razão, gosta de utilizar roupas e acessórios tradicionalmente usados pelo gênero oposto.

Q = Queer – representa as pessoas que não se encaixam nos padrões heterossexuais e/ou no binarismo de gênero. Ao falar em binarismo de gênero refere-se ao masculino e feminino, não só no quesito aparência, mas também nos papéis sociais atribuídos a eles.

I = Intersex – abreviação para “intersexual”, que faz referência a pessoas que biologicamente não se encaixam nem no binário feminino e nem no masculino. Isso se dá por questões hormonais, genitais e/ou nos cromossomos (genética).

A = Assexuais – aqueles/as que nunca, ou raramente, sentem-se atraídos/as sexualmente por outras pessoas.

P = Pansexuais – sentem atração sexual e/ou amorosa por pessoas independentemente do gênero dessas.

+ = Sinal utilizado para incluir pessoas que não se sintam representadas por nenhuma das outras sete letras.

O aspecto mais interessante sobre essas siglas é que elas estão em constante mudança. Por exemplo, em janeiro de 2018 ativistas britânicos viraram notícia no mundo por defenderem que a sigla fosse estendida para 13 letras – “LGBTQQICAPF2K+”. Como há um debate crescente em relação à sexualidade e à identidade de gênero, existe bastante discordância sobre quais letras e, consequentemente, sobre quais comunidades devem ser incluídas em “LGBT”. Ainda é importante destacar que o movimento LGBT busca dar uma maior visibilidade às pessoas e grupos que enfrentam uma discriminação estrutural ou sistêmica devido às suas propensões sexuais ou de identidade, como defende a ativista e escritora Claire Heuchan. Em outras palavras, busca-se ouvir aquelas/es historicamente perseguidas/os na sociedade.

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AS BANDEIRAS DO MOVIMENTO LGBT (NO PLURAL, SIM!)

A questão da visibilidade também é um assunto delicado entre os membros da comunidade LGBT. Apesar de a sigla que busca representar um amplo número de grupos e suas especificidades ser bastante conhecida, nem todo mundo entende que existem diferenças nas reivindicações dos coletivos que compõem o “LGBT”. Por conta disso, existe uma “hierarquização” dentro do movimento LGBT, com algumas “das letras” sendo mais reconhecidas e conquistando mais direitos do que outras. Por exemplo, a homossexualidade foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde em 1990. Entretanto, foi só em junho de 2018 que a OMS retirou a transexualidade da sua lista de doenças mentais.

Dessa forma, com o objetivo de atrair mais atenção para as próprias reivindicações, alguns dos grupos que integram a comunidade LGBT criaram suas próprias bandeiras. A seguir, vamos te contar um pouquinho mais sobre elas:

BANDEIRA DO ORGULHO LGBT+

Bandeira do Orgulho LGBT em São Francisco, Califórnia (Foto: Flickr).

Você com certeza já viu essa bandeira arco-íris por aí. Ela foi criada por Gilbert Baker, em 1978, para o Dia de Liberdade Gay de São Francisco (Califórnia/EUA). Foi no evento, tido como o precursor da Parada do Orgulho LGBT atual, que as oito cores foram apresentadas ao mundo. Sim, oito cores! Acontece que o modelo inicial da bandeira era um pouco diferente daquele que hoje tem seis faixas coloridas e é amplamente conhecido.

O objetivo de Baker ao criar a bandeira era transmitir a diversidade e a inclusão do movimento LGBT. Além disso, o estadunidense buscava afirmar que a sexualidade é algo natural, um direito humano. Por isso o arco-íris foi escolhido como inspiração, com cada uma das oito cores carregando um significado:

·                Rosa = sexualidade

·                Vermelho = vida

·                Laranja = cura

·                Amarelo = luz do sol

·                Verde = natureza

·                Turquesa = mágica/arte

·                Anil = harmonia/serenidade

·                Violeta = espírito humano

Posteriormente, o rosa e o anil foram retirados da bandeira e o azul substituiu o turquesa.

Em 2015, o renomado Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) adquiriu a bandeira “original”, aquela confeccionada em 1978, classificando-a como “poderoso marco histórico do design”. Nessa ocasião, Gilbert Baker afirmou em entrevista que “as bandeiras são sobre proclamar poder, então é muito apropriado”.

BANDEIRA DO ORGULHO BISSEXUAL

Desenhada em 1998 por Michael Page, a bandeira bissexual também traz significado em suas cores. A faixa rosa acima representa a atração amorosa e/ou sexual a pessoas do mesmo sexo, já a faixa azul royal refere-se à atração a pessoas do sexo oposto.  As faixas se sobrepõem no centro da bandeira, criando a cor púrpura e representando a bissexualidade. Segundo Page, “a chave para compreender o simbolismo da bandeira do orgulho bi é saber que a faixa roxa cria uma transição suave entre as faixas rosa e azul, assim como no ‘mundo real’ os bissexuais se misturam suavemente tanto com as comunidades gays e lésbicas como com as comunidades heterossexuais”.

A criação de uma bandeira própria buscava aumentar a visibilidade dos bissexuais, que muitas vezes não se sentem parte nem do movimento LGBT e nem da comunidade heterossexual. Uma pesquisa feita pela organização LGBT Equality Network, do Reino Unido, aponta que 66% das/os bissexuais entrevistadas/os se sentiam excluídos da comunidade LGBT em algum grau. Esse índice passa para 69% quando perguntadas/os sobre a sensação de pertencimento em relação a grupos heterossexuais. Tal invisibilização é aprofundada por conta dos estereótipos atribuídos às pessoas bi. Além de serem taxados como promíscuos e indecisos, os bissexuais são tidos como “em cima do muro” – entre hétero e gay, ou hétero e lésbica.

Além da bandeira, o dia 23 de setembro também foi instituído como o Dia da Visibilidade Bissexual.

BANDEIRA DO ORGULHO LÉSBICO

Bandeira do Orgulho Lésbico, conhecida como Labrys (Foto: Ensix | Wikimedia).

A bandeira do movimento lésbico traz um triângulo negro invertido em seu centro. Esse triângulo era o símbolo que os nazistas amarravam nos braços das mulheres tidas como “anti-sociais” ou “indesejadas” e foi incorporada à bandeira de forma a lembrar do massacre sofrido. Já o machado com lâmina dupla, chamado de Labrys, é um símbolo usado pela civilização minoica, que habitou Creta – onde era associado ao poder matriarcal –, e também nas lendas da Grécia – sendo utilizado pelas Amazonas. Atualmente o machado representa a força e resistência do movimento lésbico e feminista. Além disso, o roxo remete à cor símbolo da luta feminista.Falando em feminismo, você sabe o que é a cultura do estupro? A gente explica!

BANDEIRA DO ORGULHO TRANS

Bandeira do Orgulho Trans (Foto: Minnesota Conference).

Criada em 1999 por Monica Helms, a bandeira do orgulho trans tem cinco listras horizontais – duas azuis, duas cor-de-rosa e uma faixa branca no centro. Segundo Helms, “as listras na parte superior e inferior são azul claro, a cor tradicional dos garotos. As listras ao lado são cor-de-rosa, a cor tradicional das garotas. A faixa central é branca, para aqueles que estão entre os dois sexos, em transição de um para o outro ou consideram ter um gênero neutro ou indefinido. O padrão é tal que não importa o caminho que você siga, ele é sempre correto, o que significa que encontramos o caminho de nossas vidas”.

A bandeira idealizada por Helms foi utilizada pela primeira vez na Parada do Orgulho Trans em Phoenix (EUA), em 2000, e é cada vez mais mais reconhecida no mundo.

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BANDEIRA DO ORGULHO LGBT VAI GANHAR NOVAS CORES?

Bandeira do Orgulho LGBT ganha duas cores extras na Filadélfia (Foto: More Color More Pride).

Em 2017, o estado da Filadélfia (EUA) começou uma campanha chamada “mais cor, mais orgulho”, que levou ao acréscimo de duas faixas na bandeira: uma preta e uma marrom. O site do movimento afirma que:

Em 1978, o artista Gilbert Baker projetou a bandeira original do arco-íris. Um símbolo icônico da unidade LGBTQIAP +. Muita coisa aconteceu desde então. Muitas coisas boas, mas há mais do que podemos fazer. Especialmente quando se trata de reconhecer pessoas de cor na comunidade LGBTQIAP+. Para alimentar esta importante conversa, expandimos as cores da bandeira para incluir o preto e o marrom. Pode parecer um pequeno passo. Mas juntos, podemos dar grandes passos para uma comunidade verdadeiramente inclusiva.

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A PARADA DO ORGULHO LGBT DE SÃO PAULO

É impossível falar de orgulho LGBTQIAP+ sem lembrar do maior evento de visibilidade desse grupo do mundo. É claro que estamos falando da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que aconteceu pela primeira vez em junho de 1997, na avenida Paulista. O primeiro evento foi denominado Parada do Orgulho GLT, sigla vigente na época, e recebeu cerca de duas mil pessoas. Eram membros da comunidade LGBT e ativistas que tinham como objetivo protestar contra o preconceito e celebrar o orgulho LGBT.

Em 2006, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo entrou pela primeira vez no Guinness Book como a maior do mundo, após reunir mais dois milhões de pessoas. São Paulo garante o posto até hoje e, desde sua segunda edição, traz anualmente temas específicos para o evento. Muitas vezes a temática da Parada busca reivindicar algum direito pelo qual a comunidade LGBT luta, como foi o caso do casamento homoafetivo, legalizado no Brasil em 2013. Em 2018, o slogan do evento foi “poder para LGBTI+”, o qual marca a mudança da sigla utilizada.

E então, entendeu mais sobre o orgulho LGBTQIAP+? Por se tratar de um movimento muito amplo e complexo, é difícil falar profundamente sobre ele. Mesmo assim, é importante que cidadãos e cidadãs busquem se informar sobre tais questões de forma a possibilitar um debate saudável e livre de intolerância. Afinal, junho pode ser o mês símbolo da resistência e do orgulho LGBT, mas as pautas que essa comunidade defende são discutidas o ano todo. 

Créditos: Pâmela Morais (Assessora de conteúdo, graduanda de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina).

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